Tuesday, February 9, 2021

Um poema sobre amor perene

 

Do livro Sombra e Claridade (poemas de 1986/1988) 


De um lado a mata traz-me o encanto verde

das folhagens balsâmicas dos morros

do outro o mar vestindo espuma branca

tece ilusões e o pensamento voa. 


Estremece de enlevo o meu cismar

e tão real eu sinto o meu amor

que em luz me vejo até transfigurada

por esse encontro ou sonho antecipado.


Após andando a esmo pela praia

querendo compreender tanto mistério,

elevo todo estímulo da vida

ao dom de uma saudade que é divina.  



Marina Stella Quirino Marchini

Sombra e Claridade 

São Paulo: João Scortecci, 1989. 





Friday, January 22, 2021

Poema - "Quando - já tempo e espaço anulados no além - "

 Poema de MARINA STELLA


Quando - já tempo e espaço anulados no além - 

O espírito acordar deparando outra vida,

hão de se abrir na luz perspectivas de auroras

glorificando a paz e a verdade esquecida.


Quando o espírito enfim já do mundo liberto 

puder rever paragens sem limitações

compreenderá feliz a grandeza infinita

de Deus criando vida em outras dimensões.


Diante do fulgor dos astros no universo

e dos anjos a voz cantando em melodias

será o sonho um farol nas emoções imerso: 


e deve ser tão grande a alegria sem dor

que - ao largo, o coração, em lampejos da mente 

emergirá vibrando em milagres de Amor!


Marina Stella Quirino Marchini

Sombra e Claridade

São Paulo: João Scortecci Editora, 1989.




Comentários


O objetivo destes comentários é ajudar quem esteja iniciando em leitura de poesia. Realmente, muitos leitores e leitoras não precisam desses comentários, mas terão paciência em compreender por que aqui os insiro. 

Escolhi este poema neste livro porque já gostei do verso introdutório, que considera tempo e espaço atributos da existência terrena; algo que nos limita, mas não precisam existir, dessa forma, em uma possível existência pós-terrena. Vai da crença de cada um, mas eu gostei pelo aspecto filosófico de que tempo e espaço são criaturas de nossa existência de criaturas. 

Também gostei da elegância formal do poema.

Apesar de nesse referenciado pós-vida-terrena, não existir o tempo, existe a perspectiva, como de futuro, de coisas que se desvelam ("perspectivas de auroras"), bem como uma saudade de paragens, que no entanto, são sem limites, são diferentes das que conhece o mundo terreno, pois são espirituais. 

Também há menção a uma criatividade infinita de Deus criando vida em outras dimensões. Ou seja, há muito mais do que conhecemos neste mundo terreno, há uma criação bem maior do que aqui, em nossos limites, imaginamos. Podemos vislumbrá-la com a noção dada pela intuição da fé.  

Também gosto da concordância entre a imensidão astronômica e a voz dos anjos, não há que negar um pelo outro. Nesse mundo espiritual, há também sonho e emoções.

O coração é proeminente, mas acompanhado da mente ("lampejos da mente"), e a realidade desse mundo espiritual é "alegria sem dor", pois ele consiste, especialmente, em puro Amor. 

Elisa


Saturday, September 5, 2020

Poema Musicado

 


Que posso dizer? Dada a pujança da música popular brasileira, que benção é para uma poeta, para um poeta, ter sua letra musicada! Essa descoberta foi uma surpresa. Eis que minha avó, com seu nome de solteira, teve um de seus poemas musicado por Ernesto Nazareth, e cantado por Francisco Alves.

Como isso se deu, não sei. Ela frequentava saraus importantes, relevantes. Sim, meus amigos, os saraus não foram inventados depois do ano 2000. Em 1920 ou por aí, eles já existiam! 

O poema é do livro Vozes do Coração, de 1927, de Marina Stella Quirino dos Santos, que, depois de casada, assinava Marina Stella Quirino Marchini. 



Cuiubinha

https://www.discografiabrasileira.art.br/en/music-composition/16872/a-voz-do-amor

Música de Ernesto Nazareth

Letra de Marina Stella Quirino dos Santos, sob o título “A voz do amor”


Tive num sonho a placidez de um monge

Quando a ventura me acenou de longe!

O mundo iluminou-se de repente

Quando o beijo me fez seu confidente

Cada estrela sorriu no azul do céu,

Quando a ilusão me envolveu num véu.

Toda a terra tremeu em mudo espanto,

Quando a ilusão me deu o seu encanto.

A chorar sufoquei-me em ânsia louca,

Quando a incerteza me fechou a boca.

Tive a ideia fantástica do nada...

Só quando a ausência me cobriu calada.

Veio a sombra do olvido e da repulsa,

Quando a saudade me apertou convulsa!

Gelou-se o pranto nos meus olhos baços

Só quando a morte me tomou nos braços

A luz da fé cercou-me embevecida,

Quando a Esperança me tornou à vida.


by

Marina Stella Quirino Dos Santos 


Saturday, August 15, 2020

Poemas de Natal

 Mensagens do Natal não é o primeiro livro de poemas de Marina Stella. Antes, ela publicou Vozes do Coração (1927) e Sursum Corda (1944). Sursum Corda significa Corações ao Alto. É uma expressão latina, que era utilizada em missas. A tradução acho que ainda é usada. De acordo com o Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, Marina Stella Quirino Marchini era uma escritora com estilo simbolista e espiritualista. Então, de fato, muitos dos poemas que veremos neste blog são assim. 


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[Descrição da imagem para acessibilidade: Capa do livro sobre fundo verde escuro. A capa do livro é azul, com um desenho de uma mão feminina segurando um suporte com vela acesa. Essa vela brilha bastante, e outra mão da mesma pessoa sente o calor da chama. O nome da autora está escrito acima, Marina Stella, com letras vermelhas. O título está escrito abaixo do desenho, Mensagens do Natal, com letras vermelhas.]

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Este livro é o mais singelo, e por esse termo entendemos que é o mais acessível. Bem simples e de fácil entendimento. Mas já cumpriu pelo menos um papel de interromper uma briga familiar. Sim, é uma exaltação a sentimentos bons. Algo provavelmente necessário naqueles tempos e em nossos tempos.


A capa foi desenhada por Marigê, sua filha. Marigê Quirino Marchini, além de ser poeta, crítica e tradutora, era também exímia desenhista. No dicionário supracitado, seu verbete ficou confundido com o verbete de sua mãe poeta. Na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, constam os dois verbetes, um para cada escritora.



[Descrição da imagem:  Livro aberto na primeira página com o título e nome da autora, e as informações São Paulo, 1961.]


Eu poderia esperar o Natal, mas achei melhor colocar este livro logo no inicio, pelas suas características singelas. No Natal, tentarei trazer alguns poemas. 


[Descrição da imagem: livro aberto, na página à esquerda está a informação "Capa de Marigê", e na página à direita está uma introdução com exortações construtivas.]

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Agora, devo dizer que muitas dessas exortações não estão necessariamente vinculadas a uma religião específica, mas podem ser adotadas por pessoas de toda espiritualidade construtiva.

No momento, é isto, mais uma etapa na tarefa de sermos historiadores de nós mesmos, algo que todo mundo pode fazer. 

Elisa Sayeg 



Saturday, August 1, 2020

Poema

Se a mente enxergasse entre abismos tristonhos
as naus da esperança na espuma da vida,
abertas ao sopro das brisas de fé;
teria horizontes rasgando universos
com balsas de estrelas e velas de prata,
buscando a verdade legada na Cruz,
e acima dos rastros de lemes dispersos
nas vagas tranquilas de oceanos de amor
a paz lograria num porto de luz.
MARINA STELLA QUIRINO MARCHINI
Lira Largada ao Vento, 1985
Roswitha Kempf/Editores

Descrição da imagem para acessibilidade: Capa do livro Lira Largada ao Vento, de Marina Stella Quirino Marchini. O título e o nome da autora estão escritos em azul escuro sobre fundo branco. Ao lado e ocupando também a parte inferior da página, estão desenhos com a mesma cor azul em fundo branco, retratando três pássaros sobre um galho com folhas, dois deles cantam e o outro observa.

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Breve análise do poema. Algumas pessoas preferem ler uma análise para entender melhor um poema. Este comentário é para essas pessoas. 

Vou fazer a análise baseada no formato Sentimento - padrões - indagações (tradução livre de Feeling - pattern - puzzle), baseado no curso introdutório de poesia da Universidade de Reading, oferencido pela plataforma FutureLearn. 

Sentimentos. Este poema em mim evoca sentimentos de possibilidades de superação em momentos difíceis. Convide-se a refletir qual sentimento este poema lhe provoca. 

Padrões. O poema - gosto de ler em voz alta por isso - traz uma fluidez em sentenças longas. Isso me evoca a imagem de naus que navegam e vão longe. Também gosto da metáfora que funde o céu, o universo, com o mar, o oceano, a superfície de águas navegáveis. São águas navegáveis, e não um mar que engolea. Assim, traz a mensagem de segurança de que o ser humano pode transitar e evoluir tranquilo nesse universo-oceano. Há vento, mas na forma de brisas de fé. Como são brisas, elas operam sutilmente, gentilmente, não com violência nem imposição. E é a busca que impulsiona, não algo já dado de pronto. Portanto, o navegar requer a subjetividade ativa, que busca, e uma percepção que envolve sabedoria, pois é a mente que precisa enxegar essa possibilidade em meio às atribulações da vida, aos problemas do mundo, aos "abismos tristonhos" que são reais, não são imaginação. A mente pode enxergar além desse dado imediato do mundo, pode alcançar a bonança do amor e da paz divinas, abertas à vivência humana, mas para isso precisa buscar, enxergar ativamente com a fé. 
Mas a tranquilidade é também real, os bons ventos, a navegabilidade são reais, quando alcançados, e a Cruz é o norte que permite alcançar esse estado a partir da busca ativa. 
O condicional - teria, lograria - é também uma promessa, pois tudo isso é real, mas só é certo para os que se permitem abrir a mente com a fé e enxergar mais longe. 

Indagações. Bom, a minha indagação quanto a esse poema era por que a mente, ao se despertar, ainda teria que "buscar a verdade legada na Cruz", e penso que é porque os riscos são sempre presentes, os tais "abismos tristonhos" do mundo. Mas a mente que busca a verdade "legada na Cruz", desperta, e consegue enxergar além. Mas sempre tem que buscar, tem que ter uma postura ativa, pois navegar não é só aproveitar os ventos e a bonança, há que se ter bússola, conhecimento, estado alerta e empenhado. O norte está lá, mas o ser humano é chamado a todo momento a empenhar-se com a mente e com a fé.  E, diria, com ações, pois se navega. 

Esse é o meu entendimento sobre este poema. É um poema espiritualista de inspiração cristã. A Cruz pode ser interpretada literalmente, como provavelmente era a intenção da autora, mas também pode ser interpretada simbolicamente, como a mensagem cristã que pode ser adotada até mesmo por ateus e agnósticos, de amor ao próximo e transcendência através do sacrifício, dentre muitos outros simbolismos. 

Esta interpretação obviamente não esgota o poema, e você pode tentar fazer a sua interpretação e, se quiser, seguir esse modelo sentimento-padrões-indagações. 

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Fim da postagem.